Parecer 10 – Cosit – Receita Federal do Brasil – Consulta interna a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Atenção aos desdobramentos

Por Lucas Heck, sócio-diretor na Machado Schütz & Heck Advogados Associados e Juliana Sarmento, coordenadora na Machado Schütz & Heck Advogados Associados.


Com alguma surpresa, tomamos conhecimento do parecer n. 10 da Coordenação Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil (RFB) que, não obstante se trata de consulta interna da RFB destinada a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sujeita, ainda, à retificação ou ratificação por parte desta, tem causado preocupação às empresas.  


Através deste parecer, a fiscalização tenta, em desdobramento nefasto acerca do julgamento relativo a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, no RE 574.706 (Tema 69), afirmar que, assim como o imposto não deve compor a receita dos contribuintes e consequentemente a base de cálculo das contribuições, na comercialização dos seus produtos, seria assim legítima a sua retirada do valor dos seus créditos, na mesma proporção. 


Entende, assim, que a não cumulatividade do PIS/Cofins seria afetada pela decisão do STF, reduzindo não apenas o valor devido sobre receitas, mas também os créditos das contribuições sobre entradas de mercadorias, se utilizando, para tanto, reiteradas vezes, do princípio da razoabilidade, de forma inapropriada, a nosso sentir. 


Ocorre que a interpretação dada foi bastante inovadora, eis que não compõe o julgamento do Supremo, nem da forma mais remota, e confunde a todos, pois a fundamentação contida na decisão do STF não trata do preço de venda do produto, mas sim da receita dos contribuintes e de que o ICMS efetivamente destacado não compõe este conceito, sendo que em nenhum momento trata do preço do produto e da sua composição. São institutos distintos.  


O desate da controvérsia passa exclusivamente pela definição do conceito de custo de aquisição, que gera o direito ao crédito de PIS e COFINS, nos termos das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 e do próprio entendimento anterior da Receita Federal. 


O regime não cumulativo aplicável ao PIS e à COFINS não apenas assegura o crédito sobre imposto pago, mas, sim, sobre o valor pago quando da entrada da mercadoria, consagrando o regime substrativo indireto, que não leva em conta quanto foi recolhido na etapa anterior, de modo que tal expediente – dado agora pela RFB – implica criar uma distinção onde a Lei não distingue. 


As Leis conferem o direito de crédito para o contribuinte nos exatos termos da alíquota aplicável para a apuração do débito: 9,25% (1,65% de PIS + 7,6%  de COFINS), a qual se aplica sobre o valor desembolsado pelo próprio contribuinte para a aquisição, de tal maneira que ignora completamente quanto foi recolhido na etapa anterior, qual foi a base de cálculo ou a alíquota aplicada.


Tanto é assim que a própria Receita Federal do Brasil, na Solução de Consulta COSIT n. 106, de 11/04/2014, em plena vigência1, conforme se extrai do seu próprio site, aborda as razões pelas quais o ICMS próprio é considerado custo de aquisição, autorizando o creditamento de Pis e Cofins, e pelo qual o motivo que não considera o ICMS-ST como custo de aquisição (posição com a qual não concordamos).

  
A fundamentação apresentada nesta solução de consulta, neste caso com efeito vinculante, autoriza ao contribuinte o direito ao crédito de Pis e Cofins sobre valor do ICMS próprio, do vendedor, e é clara no sentido que o crédito é admitido em razão de que o imposto estadual é considerado como custo de aquisição, sendo que em nenhum momento se tratou de investigar se houve ou não incidência das contribuições ao Pis e Cofins sobre tal parcela do valor pago na etapa anterior. E não o fez por uma razão muito óbvia: é irrelevante saber se houve a tributação na etapa anterior. Relevante, por outro lado, e este é o fato que importa para a melhor conclusão ao presente caso, é saber se trata-se de custo de aquisição. Sobre o tema, a mesma COSIT 106/2014, destaca o Parecer Normativo CST nº 70, de 1972 (Publicado no DOU 22.03.1972), com os motivos pelos quais o ICMS está incluído no valor do custo de aquisição de bens e serviços. 


Com efeito, a presente questão deve ser analisada com base em duas balizas rígidas: coerência e razoabilidade. Aliás, é o que todos os contribuintes do Brasil exigem da Procuradoria da Fazenda Nacional quando da análise do presente caso, posto que a ela foi submetida tal consulta. 


O direito ao crédito de Pis e Cofins sobre o valor do ICMS sempre foi autorizado pela Receita Federal do Brasil. Não basta, nesse passo, excluir o ICMS do crédito do contribuinte em razão de que tal não integrou a base de cálculo das contribuições ao Pis e a Cofins, na etapa anterior, pois os fundamentos jurídicos autorizativos do crédito são distintos, estando vinculados ao custo de aquisição dos bens.  


E mais: entender que o direito ao crédito de Pis e Cofins deverá basear-se no valor efetivamente pago na etapa anterior importa igualar a não cumulatividade de tais contribuições a do ICMS e do IPI e, ainda, em subverter a lógica estruturante das contribuições ao Pis e a Cofins não cumulativos, bem como a que impera em toda a doutrina e jurisprudência dos Tribunais do País. 


Desta forma, pelo que foi aqui exposto, o Parecer 10- Cosit não deve prevalecer no atual cenário e tampouco se sustentar no regime da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, não apenas porque nitidamente afronta à legislação em vigor, mas porque é contraditório ao posicionamento até então adotado pela própria Receita Federal do Brasil e, ainda, porque está usando de forma inadequada as razões de decidir adotadas no julgamento do STF (Tema 69), que não trataram sobre o direito ao crédito pelas operações de entrada e também não definiram sobre a composição de preço das mercadorias, mas sobre o conceito de receita do contribuinte, que não afeta o seu direito de crédito sobre as mesmas contribuições.  


Por fim, percebemos que o tema não está perto do fim, sendo adequado aguardar a posição da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, bem como, havendo um posicionamento desta contrário aos interesses dos contribuintes, desde logo recomendamos o ajuizamento de ação, no Poder Judiciário, a fim de conquistar seja mantido o direito ao credito de Pis e Cofins sobre o valor do ICMS.

1 http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=53102

 

Leia também:

 

Lei n. 14.592/23: ICMS excluído da base de cálculo de créditos de PIS e COFINS

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